terça-feira, 10 de maio de 2011

Petição inicial - Associação Limpar o Inferno

MERITÍSSIMO JUIZ DE DIREITO DO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
DE CÍRCULO DE VILA LIMPA:


ASSOCIAÇÃO LIMPAR O INFERNO, ONGA constituída nos termos do Lei 35/98, de 18 de Julho, registada junto do IPAMB, com sede na Rua Bem Cheirosa, Edifício Limpinho, Bloco 2, 1500, Vila Limpa,

vem instaurar, em coligação passiva:

CONTRA:
Empresa Porco Feliz, S.A., pessoa colectiva nº500 177 295, com sede na Rua Ribeira do Inferno, lote 3, 1500, Vila Limpa, com o contribuinte nº294755598, acção administrativa especial, nos termos do artigo 46.º do CPTA;

Administração da Região Hidrográfica, com sede na Rua Silva e Albuquerque, nº21, 1700, Lisboa, acção administrativa especial, nos termos do artigo 46.º do CPTA;

Câmara Municipal Vila Limpa, com sede na Rua Corrupção e Luvas, 1400, Vila Limpa, acção administrativa especial, nos termos do artigo 46 do CPTA;

nos termos e com os fundamentos seguintes:

DOS FACTOS:

1.º
A Sociedade Porco Feliz tem uma suinicultura.

2.º
A suinicultura localiza-se no Concelho de Vila Limpa, a única junto da Ribeira do Inferno, situada a 200 metros da dita Ribeira.

3.º
A Sociedade Porco Feliz tem como objecto a criação e comercialização de Porcos.

4.º
No exercício da sua actividade económica, a sociedade produz efluentes líquidos.

5.º
Esses efluentes são despejados na Ribeira do Inferno e em diversos terrenos da região.

6.º
No passado mês de Março, a Sociedade Porco Feliz efectuou uma descarga que matou um considerável número de peixes da Ribeira do Inferno.

7.º
Essa descarga, inviabilizou a continuidade da espécie fluvial.

8.º
A conduta acima descrita constitui um crime de poluição nos termos do art.279.º do Código Penal, tendo a arguente denunciado a situação perante as autoridades e o Ministério Público aberto inquérito.

9.º
Tal descarga também causou graves prejuízos patrimoniais às actividades económicas dos comerciantes residentes, tendo prejudicado o número de negócios de forma substancial.

10.º
Afectou também o turismo, na medida em que as descargas foram feitas na Ribeira que afecta a praia fluvial da zona.

11.º
Além disso, a Sociedade Porco Feliz actual ilegalmente e sem o licenciamento exigido por lei.

12.º
A Sociedade Porco Feliz pretende aumentar a capacidade da sua suinicultura de 2800 para 4200 porcos.

13.º
A poluição aumentará na mesma proporção.

14.º
A empresa pretende aposta no desenvolvimento limpo, o que mostra que até agora não o fazia.

15.º
Os novos projectos da Sociedade Porco Feliz foram aprovados sem os devidos procedimentos administrativos ambientais, nomeadamente a avaliação de impacte ambiental a que estava sujeita.

16.º
O que prova a continuação de um reiterado e manifesto de desinteresse pelas questões ambientais.

17.º
A Administração da Região Hidrográfica, doravante ARH, sempre se mostrou compactuante com a atitude da Sociedade Porco Feliz

18.º
A ARH foi contactada diversas vezes dos parte da Associação Ambientalista Limpar o Inferno, ora arguente, sobre este problema.

19.º
A arguente nunca obteve qualquer resposta.

20.º
Também omitiu o seu dever legal de fiscalização, nunca tendo investigado os problemas por nós suscitados.

21.º
Não procede o argumento apresentado perante a comunicação social de que estaria muito ocupada a fazer o Plano de Gestão da Bacia Hidrográfica.

22.º
A Câmara Municipal de Vila Limpa, doravante CMVL, nunca quis intervir perante esta situação.

23.º
A CMVL só interveio para aprovar a licença de construção dos projectos da Porco Feliz, S.A, sem quaisquer procedimentos administrativos ambientais.

24.º
Não houve qualquer procedimento de avaliação de impacte ambiental para o inicio da actividade de suinicultura.

25.º
Também o aumento da capacidade da suinicultura não foi objecto de procedimento de avaliação de impacte ambiental.

26.º
Da mesma forma, a construção da ETAR não foi sujeita à devida avaliação de impacte ambiental.

27.º
A CMVL aprovou tais projectos de forma tão célere dada a “importância estratégica e urgência dos projectos da Porco Feliz para as gentes e o concelho de Vila Limpa”, como se pode ler na acta da Deliberação.

28.º
Tanto a CMVL como a ARH ignoraram conscientemente o comunicado emitido pela arguente.

DO DIREITO:
29.º
Nos termos da Lei 35/98 de 18 de Julho, nomeadamente do seu art. 2.º/1 a Associação “Limpar o Inferno”, é uma associação não governamental do ambiente (ONGA).
30.º

Tem legitimidade, nos termos do art. 9.º/1 da Lei 35/98 para despoletar os procedimentos de defesa do ambiente.

31.º

A sua legitimidade para propositura de acções judiciais vem concretamente apresentada no art. 10.º, alíneas a) e c) da Lei 35/98, bem como, no art. 2.º/1 da Lei 83/95, de 31 de Agosto e ainda no art. 55.º/1, al. c) do CPTA.


32.º

A participação popular no procedimento administrativo está, de resto, assegurada pelo art. 1.º/1 da Lei 83/95.

33.º

No n.º 2 do mesmo artigo define-se como interesse protegido a defesa do ambiente, tendo a acção popular administrativa por escopo, a protecção deste interesse, como refere o art. 12.º/1 da mesma Lei.


34.º

À luz do art. 3.º da Lei 83/95, a legitimidade está assegurada – a Associação “Limpar o Inferno” preenche os requisitos enunciados

35.º


Nos termos do art.12.º, nº1, al. b) do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, doravante CPTA, verifica-se a admissibilidade da coligação passiva dos presentes demandados.
Assim, embora sejam diversas as causas de pedir, a procedência dos pedidos depende essencialmente da apreciação dos mesmos factos e da aplicação dos mesmos princípios e regras de direito.

36.º

O art. 66.º/1 da CRP consagra um direito fundamental ao ambiente.


37.º

Concretamente, a alínea a) do n.º 2 do artigo acima referido tem aqui aplicação.


38.º

Concretizando a CRP, a Lei 11/87, de 7 de Abril (Lei de Bases do Ambiente) enuncia no seu art. 2.º/1 o direito de todos os cidadãos “a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado” e “o dever de o defender”.


39.º

A água é uma componente ambiental natural, como prevê o art.6º, al. c), e a sua protecção vem desenvolvida no art. 10.º.

40.º

Também a fauna é uma componente ambiental natural, como prevê o art.6.º al. f), e a sua protecção vem desenvolvida no art. 16.º.

41.º


No que se refere à avaliação do impacte ambiental, a al. g) do n.º1 do art. 27.º da LBA, institui como instrumento da política de ambiente, a avaliação prévia do impacte provocado pela construção de infra-estruturas.

42.º


Uma primeira referência, genérica, aos estudos de impacte ambiental vem prevista nos arts. 30.º e 31.º da LBA.


43.º

A construção das infra-estruturas necessárias ao aumento da capacidade da suinicultura está expressamente sujeita à avaliação de impacte ambiental, por via do art. 1.º/3, al. b), em conjugação com a al. e) do n.º 1 do Anexo II do Decreto – Lei 69/2000, de 3 de Maio.

44.º

Também a construção das ETAR está expressamente sujeita à avaliação de impacte ambiental, por via do art. 1.º/3, al. b), em conjugação com a al. d) do n.º 11 do Anexo II do referido Decreto – Lei.

45.º

Não se verificam os requisitos para a dispensa da AIA previstos no art. 3º/1 do Decreto-lei 69/2000.

46.º

De qualquer modo, tal dispensa teria que ser requerida pelo proponente e concedida por despacho do ministro responsável pela área do ambiente e pelo ministro da tutela, pelo que a CMVL não teria competência.

47.º
O Decreto-lei nº 173/2008, de 26 de Agosto, impõe o licenciamento de certas actividades económicas com o intuito de prevenção da poluição.

48.º
Com a entrada em vigor do Decreto-lei supracitado a licença ambiental tornou-se requisito indispensável para que o operador possa iniciar a exploração, estando-lhe, até então, vedada essa possibilidade.

49.º
O nº 6.6 do Anexo I em conjugação com o artigo 2.º, al. h) do mesmo diploma considera “instalações” aquelas que visem a criação intensiva de suínos, com espaço para mais de 2 000 porcos de produção (de mais de 30 kg).

50.º
Verifica-se, assim, a obrigatoriedade de licenciamento decorrente do Decreto-lei n.º 173/2008.

51.º
A opção tomada pela suinicultura Porco Feliz, S.A. no sentido de iniciar a sua laboração sem estar legalmente licenciada para tal, constitui per se uma contra-ordenação ambiental muito grave prevista e punida nos termos do artigo 32.º, n.º 1, al. a) do Decreto-lei n.º 173/2008, não sendo necessária a existência de qualquer dano.
52.º
O montante da contra-ordenação deverá ser especialmente elevado nos termos do artigo 22.º, nº 1 e nº 4, b) do regime das contra-ordenações ambientais, dada a actuação culposa e a especial censurabilidade do operador.

53.º
Mesmo que a Porco Feliz, S.A. tivesse o licenciamento necessário desde o inicio da sua actividade, encontram-se preenchidos os requisitos que revelam uma necessidade de revisão do conteúdo da licença da sua suinicultura.

54.º
Assim, as intenções da ré que surgem descritas nos artigos 12.º e 13.º da presente P.I. configuram uma “alteração substancial” da actividade económica nos termos do artigo 2.º, n.º1, al. b).

55.º
Nessa medida é imposto pelo artigo 9.º, n.º1 uma nova licença ambiental.

56.º
Mais ainda, também se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilização objectiva nos termos do art. 7.º, nº1 do Decreto-lei 147/2008, de 29 de Julho, uma vez que os danos causados decorrem do exercício de uma actividade económica enumerada no anexo III, nº1 daquele diploma.

57.º
Também se verificam os pressupostos da responsabilização subjectiva, nos termos do art.7º daquele mesmo diploma, na medida em que os danos que ocorreram na Ribeira do Inferno resultaram de uma actuação culposa por parte da Porco Feliz, S.A.

58.º
A dimensão dos danos em muito se deve ao incumprimento do dever de fiscalização que está legalmente cometido à ARH ,nos termos do artigo 31.º do Decreto-lei 173/2008.

59.º
Ora a violação deste dever legal fundamenta a sua responsabilidade.


Termos em que, e nos demais de direito, que Vª Exª doutamente suprirá, deve a presente acção ser julgada procedente e:
- declarada a nulidade do acto de licença de construção da CMVL por violação do artigo 20.º, nº1 do Decreto-lei 69/2000, de 3 de Maio, e a consequente cessação da actividade exercida pela Porco Feliz, S.A, com fundamento no art.46.º, nº2, al. a) conjugado com o art. 50.º, nº1 do CPTA.
- condenação da ARH à fiscalização devida por força do art.31º do Decreto-lei 173/2008, de 26 de Agosto, com fundamento no art.46º, nº2, al.b) e 66.º, nº1 do CPTA.
- condenação da Porco Feliz, S.A. à restauração in natura pelos danos ambientais causados nos termos do 562.º do C.C.; subsidiariamente, se a restauração in natura não for possível, a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização no montante de não menos de 450.000 €, nos termos do Decreto-Lei n.º 147/2008.

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