terça-feira, 24 de maio de 2011

parecer ministério público subturma8

Exmo. Sr. Juiz de Direito do Tribunal Administrativo e Fiscal de Vila Limpa


Os Procuradores Gerais do Ministério Público, Ana Catarina Coimbra, David Cardoso, Diana Quaresma e Maria Carolina Cavalheiro, notificados nos termos e para efeitos do artigo 85º nº2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sendo que ao abrigo dos arts. 3º nº1 do Estatuto do Ministério Público e 219º Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), o Ministério Público é competente para se pronunciar sobre o mérito da causa, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, dos interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens enunciados no art. 9º nº2 Código de Processo dos Tribunais Administrativos (doravante CPTA), vêm por este meio emitir parecer sobre o mérito da causa no processo que reúne as pretensões de Carlota Castelo Branco e a Associação Ambientalista Limpar o Inferno, ao abrigo do artigo 47º CPTA, tendo como réus a empresa Porco Feliz SA, a Administração da Região Hidrográfica do Tejo I.P e a Câmara Municipal de Vila Limpa.

I
Apreciação dos pressupostos processuais
A petição inicial da Autora Carlota Castelo Branco, é inepta nos termos do artigo 89º n.º1 alínea a) e artigo 89º n.º2 CPTA, por falta dos seguintes requisitos processuais:
- falta da indicação do domicilio profissional do mandatário judicial, de acordo com o artigo 78º n.º2 alínea c) CPTA;
- falta de provas dos factos alegados pela Autora, de acordo com o artigo 78º n.º 2 alínea l) CPTA;
- falta da procuração forense que constitua mandatário judicial nos termos do artigo 11º n.º 1 CPTA.
Assim, recomendamos que o Exmo. Sr. Dr.º Juiz de Direito do Tribunal Administrativo e Fiscal de Vila Limpa profira um despacho de aperfeiçoamento com o objectivo de suprir as irregularidades acima indicadas, nos termos do artigo 88º n.º1 e 2 CPTA; caso assim não suceda, as irregularidades da petição inicial determinam a absolvição da instância, artigo 88º n.º4 CPTA.
Também em relação aos pedidos formulados, verificamos que o pedido de indemnização contra a Porco Feliz não pode ser dirigido ao tribunal administrativo e fiscal, isto porque o art. 4º nº1 ETAF alinea g) e i) são reservadas á responsabilização de pessoas colectivas de direito público, e sendo a empresa Porco Feliz uma SA, é uma empresas de direito privado. Consequentemente, o tribunal é absolutamente incompetente em relação á matéria, art 101º CPC. Verificando-se uma excepção dilatória de conhecimento oficioso pelo tribunal, art495º CPC.
Quanto à petição inicial da Autora Associação Ambientalista, verifica-se que esta está de acordo com a lei, uma vez que reúne os requisitos formais do artigo 78º CPTA. Quanto à competência do Tribunal em virtude do artigo 4º n.º1 alínea a). b), c), g) e l) conjugados com o artigo 44º n.º 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (doravante ETAF), é competente para conhecer da matéria objecto dos autos este Tribunal. Relativamente à legitimidade activa, verifica-se que ambas as Autoras são partes legítimas, nos termos dos artigos 4º nº 1 alínea a), 10º alínea a) e c) conjugado com o artigo 9º nº 2 CPTA. O processo poderia também seguir sob coligação de autores, pelo disposto no artigo 12º n.º 1 CPTA.

II
Procedimento de Avaliação do Impacte Ambiental

A Avaliação de Impacte Ambiental (doravante, AIA) consiste num meio jurídico ao serviço do princípio da prevenção, visto que tem lugar num momento prévio à decisão administrativa de licenciamento de um determinado projecto – artigo 1º n.º 2 da D-L 69/2000. No procedimento da AIA efectua-se uma consideração autónoma da componente ambiental dos “projectos públicos e privados susceptíveis de produzirem efeitos significativos no ambiente” (artigo 1º n.º 1 do referido diploma). O artigo 1º n.º 3, 4 e 5 efectua uma delimitação do âmbito de aplicação do procedimento da AIA; o presente caso reconduz à alínea b) do n.º 3, dado que a actividade económica em causa é uma instalação pecuária intensiva (actividade elencada na alínea e) do Anexo II do citado diploma); contudo, é de salientar: anteriormente, dado que a capacidade de produção da suinicultura era de 2.800 porcos, esta não estava sujeita ao procedimento de AIA, uma vez que este valor não ultrapassava o limite estabelecido legalmente (maior ou igual que 3.000 porcos). É de notar que se aplica o limite geral, já que não estamos no âmbito de uma área sensível (de acordo com os critérios estabelecidos no D-L 19/93 de 23 de Janeiro). Por conseguinte, devido à alteração que ocorre em Julho de 2010, é de constatar que a mesma passa a estar sujeita ao procedimento de AIA, já que a capacidade de produção aumenta para 4.200 porcos(valor superior a 3.000 porcos). In casu, não se verificou a existência do procedimento de AIA, aquando da comunicação do aumento da capacidade de produção.
Relativamente à construção da Estação de Tratamento de águas residuais da Suinicultura (doravante, ETAR), constata-se a obrigatoriedade de sujeição a procedimento de AIA, visto que : nos termos do art. 1º nº 3 a), as actividades constantes do Anexo I estão dependentes do procedimento de AIA. A ETAR terá capacidade correspondente a 190.000hab./eq. ; ora, de acordo com art. 13º do Anexo I, verifica-se que a mesma está abrangida pela obrigatoriedade do procedimento de AIA (já que o citado artigo prevê um limite superior a 150.000 hab./eq.).
Decorre deste facto que tal projecto da empresa “Porco Feliz” não respeita, uma vez mais, o procedimento legalmente previsto.
Por conseguinte, cremos que deve ser aplicável a consequência prevista no art. 20º nº3 do citado diploma, isto é, a nulidade dos projectos da empresa em questão.
É de averiguar também a situação relativa à dispensa total ou parcial de AIA. Esta possibilidade está expressamente consagrada no art.3º do D-L 69/2000, sendo para tal necessário o preenchimento de três requisitos, a saber:

- Requerimento apresentado pelo proponente;
- A verificação de excepcionalidade;
- Despacho conjunto do ministro responsável pela área do ambiente e do ministro da tutela;

No caso subjudice, tais requisitos não se encontram verificados uma vez que:
A empresa Porco Feliz não apresentou qualquer requerimento de dispensa de AIA (mesmo que tal tivesse sucedido a autoridade competente para a dispensa de AIA nunca poderia ser a Câmara Municipal de Vila Limpa, já que se trata de uma competência exclusiva do ministro responsável pela área do ambiente e do ministro da tutela).
Posto isto, constata-se que há uma incompetência absoluta por parte da Câmara Municipal, nos termos do art.3º nº1 do referido diploma.
No presente caso é invocado como fundamento a importância estratégica e urgência na criação de posto de trabalho. Cabe analisar se tal se reconduz ao conceito indeterminado de ”circunstâncias excepcionais”. Visto que tal conceito carece de especificação e densificação normativa poderá deixar à Administração uma grande margem de discricionariedade, o que poderá suscitar a tomada de decisões arbitrárias. No entanto cremos que a fundamentação invocada pela Câmara Municipal não se enquadra no respectivo conceito, pois este tem como base casos de verdadeira necessidade, verbi gratia, na sequência de uma catástrofe natural, os efeitos nefastos que desta possam advir, pode levar à necessidade de construção de uma central nuclear, sendo este o único meio de assegurar à população o mínimo de condições de vida. Por conseguinte somos de parecer que a fundamentação invocada pela Câmara Municipal para a justificação do procedimento de dispensa de AIA não está abrangida pelo conceito que acabamos de explicitar. Assim sendo deve-se aplicar o art. 20º nº3 D-L 69/2000, logo o acto deve ser considerado nulo.

III
Licença

O processo de atribuição da licença ambiental está previsto no Decreto-Lei nº 173/2008, de 26 de Agosto, o qual é aplicável sem prejuízo, designadamente, da legislação vigente em matéria de avaliação de impacte ambiental (Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio) de controlo dos perigos associados a acidentes graves que envolvam substâncias perigosas (Decreto Lei n.º 254/2007, de 12 de Julho) e de gestão de resíduos (Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro).
No que concerne à instalação dos estabelecimentos industriais, o novo regime jurídico do licenciamento ambiental, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 173/2008, introduziu uma importante alteração que se traduz no facto de a licença ambiental ter passado a constituir uma condição de início de exploração ou funcionamento da instalação e não, como até aqui, uma condição da execução do projecto da instalação.
Os referidos diplomas transpuseram para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 96/61/CE, do Conselho, de 24 de Setembro, relativa à prevenção e controlo integrados da poluição (PCIP), com as alterações que lhe foram introduzidas pela Directiva n.º 2003/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Maio, relativa à participação do público na elaboração de certos planos e programas relativos ao ambiente, codificada pela Directiva n.º 2008/1/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Janeiro, relativa à prevenção e controlo integrados da poluição.
O Decreto-Lei 173/2008 estabelece o regime de prevenção e controlo integrados da poluição proveniente de um conjunto de actividades que pela sua natureza ou dimensão podem ter impactes significativos para o ambiente, com o objectivo de estabelecer através da Licença Ambiental medidas destinadas a evitar ou, quando tal não for possível, a reduzir as emissões dessas actividades para o ar, a água ou o solo, a prevenção e controlo do ruído e a produção de resíduos, tendo em vista alcançar um nível elevado de protecção do ambiente no seu todo.
A licença ambiental tem em consideração os documentos de referência sobre as melhores técnicas disponíveis (MTDs) para os sectores de actividade abrangidos pelo presente regime e inclui todas as medidas necessárias ao cumprimento das obrigações do operador, dos valores limite de emissão e a adopção das MTD adequadas, art.2º alínea l), art.7º e art.18º D-L 173/2008.
No âmbito do procedimento de atribuição da licença ambiental é garantido o acesso à informação e a participação do público. Os resultados da participação do público são tidos em consideração na tomada de decisão sobre o pedido do operador, art.15º.
O procedimento de licença ambiental é integrado no procedimento de licenciamento ou autorização das instalações abrangidas, nomeadamente nos procedimentos instituídos pelo regime de exercício da actividade industrial (REAI) e pelo regime de exercício da actividade pecuária (REAP).
Por opção do operador, a instrução do pedido de licença ambiental pode decorrer em simultâneo com o procedimento do regime jurídico de prevenção de acidentes graves que envolvam substâncias perigosas ou com o procedimento de avaliação de impacte ambiental (AIA) desde que este seja relativo a um projecto de execução.
A Agência Portuguesa do Ambiente é a autoridade competente para a Licença Ambiental, art.9º D-L 173/2008.
O pedido de licenciamento é efectuado através do preenchimento do Formulário PCIP, art.11º nº1.
O modelo para o pedido de licenciamento ou de autorização das actividades abrangidas pelo Diploma PCIP é apresentado em formulário próprio, aprovado pela Portaria nº1047/2001, de 1 de Setembro.
Ora, de acordo com art.3º nº1 D-L nº173/2008 o decreto aplica-se às instalações que tem uma unidade técnica fixa na qual são desenvolvidas uma ou mais actividades constantes do anexo I, o que acontece, art. 2º alínea h) D-L 173/2008. Verificando-se que o exercício da actividade suinícola do Porco Feliz não respeitou o processo de licenciamento legalmente exigido ao abrigo do art. 2º alinea h) e art.3º do D-L 173/2008 deve ser considerado ilegal. Do mesmo modo o aumento da capacidade da actividade suinícola deve respeitar trâmites legais, entre os quais o estudo de impacte ambiental. Não sendo estes actos acompanhados de nenhum dos procedimentos legalmente previstos o acto de licenciamento é nulo por força do art. 20º nº3 D-L 173/2008.



Para além do mais constitui contra-ordenação ambiental muito grave, nos termos Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, a prática, pelo operador, dos seguintes actos:
a) Exploração de uma instalação onde se desenvolvam uma ou mais actividades constantes do anexo I ao presente decreto-lei, sem licença ambiental, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 9.º D-L 173/2008;
b) Violação do dever de obtenção de licença ambiental sempre que se verifique a alteração substancial da instalação, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 9.º D-L 173/2008.

IV
Responsabilidade

Em consequência das descargas que ocorreram na Ribeira do Inferno, constata-se que estamos perante uma responsabilidade em matéria ambiental, consagrada na D-L 147/2008, o qual transpõe a Directiva n.º 2004/35/C do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu, subdivide-se em responsabilidade civil, art.7º e ss do referido diploma, e responsabilidade administrativa, art.11º e ss.
Nos termos do D-L 147/2008, no âmbito da responsabilidade civil ambiental (no caso em apreço previsto no artigo 3º do Anexo III), é obrigatória a adopção de medidas de prevenção (artigo 14º) e de reparação (artigo 15º) do dano ambiental ou de ameaças do dano causado por parte de qualquer operador que exerça:

- Uma actividade ocupacional listada no Anexo III do diploma e que independentemente da existência de culpa ou dolo, cause um dano ambiental ou ameaça iminente desse dano em resultado dessa actividade (responsabilidade objectiva);
- Uma actividade ocupacional distinta das enumeradas no Anexo III do diploma e que, com dolo ou negligência, cause um dano ambiental ou ameaça iminente desse dano em resultado da actividade (responsabilidade subjectiva).

Presentemente a doutrina tem distinguido dois tipos de danos ambientais:
a) Dano ambiental stricto sensu, definido como o dano causado a uma componente ambiental que consequentemente causa danos individuais e concretos a um determinado bem jurídico individual;
b) Dano ecológico ocorre quando o bem jurídico ecológico é perturbado ou quando um determinado estado de um componente do ambiente é alterado de forma negativa, independentemente, dos danos causados a bens jurídicos individuais. Fixa-se um regime da responsabilidade destinado a reparar os danos causados ao ambiente perante toda a colectividade (bens jurídicos supra-individuais).
Os danos ambientais são ressarcidos com recurso ao regime da responsabilidade civil, previsto nos artigos 7º e seguintes do citado D-L., ao passo que os danos ecológicos são reparados com base na responsabilidade administrativa nos termos dos artigos 11º e seguintes.
O artigo 10.º do referido diploma estabelece o princípio da proibição da dupla reparação; em primeiro lugar repõe-se a componente ambiental no estado em que esta devia estar, não fosse a conduta lesiva do agente; se depois disso ainda houver lugar à reparação de danos individuais actua a responsabilidade civil. Com efeito, assiste-se a uma primazia da responsabilidade administrativa/ ecológica, optando o legislador pela reparação ambiental face à indemnização exigida pela responsabilidade civil.
O conceito de responsabilidade ambiental aqui presente para além do dever de reparação, estabelece que os operadores devem actuar de forma preventiva quando se verificar uma ameaça iminente de dano ao ambiente (artigo 11º n.º 1 alínea b)) ou de novos danos subsequentes a uma lesão já ocorrida (artigo 11º n.º alínea e)). Esta responsabilidade assenta num critério de nexo de probabilidade e não de causalidade, ou seja, bastará o facto danoso ser apto a provocar uma lesão (mediante o disposto no artigo 15º). Assim, o presente diploma aplica-se aos danos ambientais, bem como às ameaças iminentes desses danos, causados em resultado do exercício de uma qualquer actividade desenvolvida no âmbito de uma actividade económica, independentemente do seu carácter público ou privado, lucrativo ou não.
Ora, no caso em apreço, verifica-se o dano ambiental stricto sensu (relativamente à plantação de girassol, objecto de propriedade privada) e o dano ecológico (quanto à morte dos peixes da Ribeira do Inferno, dano este que se reporta à colectividade – população do Concelho de Vila Limpa).
Relativamente à responsabilidade por dano ambiental stricto sensu (responsabilidade civil objectiva, art.7º conjugado com anexo III art.3º). No que concerne ao dano ecológico estamos perante responsabilidade administrativa ao abrigo do art. 11º alinea e) e i). No que diz respeito a esta verifica-se uma responsabilidade objectiva no art.12º. Tendo que ser adoptadas medidas de prevenção e reparação dos danos causados, nos termos do art. 14º. É ainda de salientar que estas medidas de prevenção não prejudica a responsabilidade civil já apurada supra, art. 12º nº2.
Nos termos do art. 10º os lesados por um dano ambiental (Carlota quanto aos 50 mil euros perdidos pela destruição dos girassóis), não podem exigir reparação nem indemnização pelos danos, quando esses danos sejam totalmente reparados no âmbito das medidas de reparação previstas no art. 15º (subsidiariedade da responsabilidade civil em relação á administrativa).
Na presente situação, a ARH incorre igualmente em responsabilidade civil uma vez que comete uma omissão ilícita ao não intervir quando solicitada para a defesa do direito fundamental ao ambiente, expressamente consagrado no art. 66º CRP.
A tal direito fundamental corresponde um dever geral do Estado de assegurar a sua fruição do bem jurídico supra individual do ambiente. Assim sendo tal omissão viola o direito in causa. Pelo que a ARH deve ser responsabilizada nos termos do art. 7º da Lei 67/2007.


















Ao abrigo dos poderes que nos são conferidos por lei para representar e defender os interesses da colectividade, e sendo o direito do ambiente um direito fundamental consagrado constitucionalmente, somos de parecer que quanto ao pedido da Autora Carlota este não deve proceder enquanto não forem supridas as excepções dilatórias referidas supra, assim como o pedido de indemnização, devido á incompetência do tribunal, devendo haver remessa do processo para o tribunal competente.
Quanto aos pedidos do Autor Associação Limpar o Inferno, somos de parecer que devem proceder.





Procuradores – Gerais
Ana Catarina Coimbra
David Cardoso
Diana Moura Quaresma
Maria Carolina Cavalheiro

Sem comentários:

Enviar um comentário