Ministério Público
Procuradoria Distrital de Vila Limpa
Parecer sobre o Processo nº 0341/2011
Exmos. Senhores Juízes de Direito
Intentada acção administrativa especial de impugnação do acto administrativo da Câmara Municipal nos termos do artigo 46º, nº2 alínea a) CPTA, de condenação à prática do acto devido, segundo os artigos 47º, nº 2 alínea a) e 66º, nº1 CPTA e de Responsabilidade por danos ambientais nos termos dos artigos 2º, nº1, 7º, e 12º, nº1 do Decreto-Lei 147/2008 por Associação Ambientalista Limpar o Inferno, na qualidade de autor, contra a Empresa Porco Feliz, S.A., a Câmara Municipal de Vila Limpa e a Administração da Região Hidrográfica do Centro.
E intentada acção administrativa especial de impugnação do acto administrativo nos termos do artigo 46º, nº2, alínea a) e art. 47º, nº1 do CPTA e dos artigos 1º e 2º da Lei nº 83/95, de responsabilidade civil por danos causados, nos termos do artigo 37º, nº1, alínea d) e art. 9º/2 do CPTA e da Lei nº 147/2008, proposta por Carlota Castelo Branco contra os réus a Câmara Municipal de Vila Limpa, Administração da Região Hidrográfica do Centro e Empresa Porco Feliz, S.A.
Vimos, na qualidade de Procuradores da República, doravante designado por MP, dar o nosso parecer sobre o processo subjudice, nos termos da competência que nos foi outorgada pelos artigos 219º da Constituição da República Portuguesa e artigos 3º, nº1, alínea f) e 63º, nº 1, alínea a) da Lei 47/86.
A autora, Associação Ambientalista Limpar o Inferno vem alegar, que a Porco Feliz não efectuou as descargas de efluentes em locais determinados para o efeito pelas entidades competentes (artigo 24º, nº 4 da Lei de Bases do Ambiente), tal como terá sido violado o principio da prevenção pela não promoção de acções de investigação e estudos sobre o impacto ambiental que derivaria das suas acções (artigo 4º, alínea f) da Lei de Bases do Ambiente, violando também o artigo 7º, nº2 alínea e) do DL nº214/2008). Vem ainda alegar a falta de licenciamento pela Porco Feliz (artigo 33º da Lei de Bases do Ambiente) e ausência de Avaliação de Impacto Ambiental, considerando-se uma área sensível segundo o Anexo II ou independentemente desse facto existirá um aumento da capacidade da suinicultura de 2800 para 4200 porcos (artigo 1º, nº 3, alínea b) AIA).
No que concerne à Câmara Municipal de Vila Limpa, vem a autora alegar que a ré terá procedido ilegalmente quanto á emissão da licença para alteração das instalações (artigos 9º, 11º e 12º e ponto 6.6 b) do Anexo I do DL nº 173/2008).
Relativamente à Administração Regional Hidrográfica, entende a Associação Ambientalista Limpar o Inferno que a ré não se podia ter escusado de intervir perante os sucessivos pedidos de intervenção da autora (artigo 22º, nº 1 e 2, alínea c) do MAOTDR).
A autora, Carlota Castelo Branco, vem alegar na sua petição inicial, que a empresa Porco Feliz deveria ter pedido Avaliação de Impacto Ambiental quando decidiu aumentar a capacidade de produção para 4200 suínos (artigo 1º, nº 3, alínea b) e nº1, alínea e) do Anexo II do DL 197/2005) e quando terá pretendido construir a ETAR com capacidade de 190 hab./Eq. (artigo 1º, nº3 que remete para o Anexo I, artigo 13º). Alega ainda que a AIA não poderia ser dispensada pois não se verifica nenhuma das circunstâncias excepcionais do artigo 3º, nº1 do DL 197/2005.
Entende ainda a autora, que a empresa Porco Feliz, S.A. ter-lhe-á provocado danos ambientais no âmbito de uma actividade económica (artigo 13º da Lei de Bases do Ambiente artigo 2º do DL 147/2008).
Relativamente à Câmara Municipal, entende a autora que esta não teria competência para a emissão da licença, a atribuir pela Associação Portuguesa do Ambiente (artigo 3º, nº1 e artigo 9º,nº1 do DL 173/2008).
Contra a Administração da Região Hidrográfica, Carlota Castelo Branco vem alegar que esta entidade não terá procedido ao planeamento, licenciamento e fiscalização a que estava vinculada por lei (artigo 7º da Lei nº 67/2005).
Perante o enunciado, vêm os réus contestar com as seguintes alegações:
A empresa Porco Feliz S.A. vem alegar que a descarga não terá sido efectuada ilicitamente, pois respeita as imposições legais para o efeito (o artigo 4º, alínea f) e artigo 24º da Lei de Bases do Ambiente). Tal como alega que não terá havido violação do princípio da responsabilização pelo réu (artigo 3.º, alíneas a) e h) da Lei de Bases do Ambiente), pois entende que terá respeitado todos os trâmites legais necessários.
A ré entende, ainda, que não terá qualquer responsabilidade quanto aos danos causados na plantação de girassóis da autora, Carlota Castelo Branco, justificando com a ausência de nexo de causalidade entre estes e as descargas.
Quanto às alegações efectuadas pela Câmara Municipal de Vila Limpa, esta entidade vem exonerar-se da competência para dispensar a Porco Feliz da AIA.
A ré alega ter competência para concessão da licença de construção da ETAR, a qual terá sido emitida cumprindo as imposições legais, pois este acto administrativo terá observado um carácter suspensivo, na medida em que estaria dependente do deferimento posterior da declaração de Impacte Ambiental e da Licença Ambiental, a obter no prazo de 6 meses.
A Administração da Região Hidrográfica do Centro contesta alegando que o pedido de fiscalização do licenciamento de actividades não fará parte das suas atribuições, mesmo que tenham incidência sobre o estado das águas.
A ré vem arguir que terá procedido às diligências necessárias de fiscalização do impacto das descargas efectuadas pela Porco Feliz, S.A. após ter respondido às interpelações da Associação Limpar o Inferno, legitimando a sua indisponibilidade por motivos de extrema relevância nacional.
Vem ainda eximir-se da responsabilização de reparação dos danos causados a Carlota Castelo Branco.
Será necessário no âmbito desta acção distinguir três procedimentos distintos, sendo estes o inicio de actividade e exploração da Empresa Porco Feliz, a alteração substancial das instalações da empresa e a construção da ETAR.
No que concerne ao primeiro procedimento, cabe referir que a empresa Porco Feliz não está sujeita a procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental pois analisando ponto 1, alínea e) do anexo II do DL 69/2000, (para o qual nos remete o artigo 1º, nº3, alínea b) do mesmo diploma) verificamos que a actividade da empresa não se insere no caso geral, em virtude de a sua capacidade de suinicultura não exceder os 3000 porcos. Tal como não se insere em áreas sensíveis, pois o Concelho da Vila Limpa não consta de nenhuma das áreas previstas no artigo 2º, alínea b) do Anexo do DL 69/2000.
Quanto à existência de licença ambiental, esta é necessária tendo em consideração a instalação em causa que, por força do artigo 3º, nº1, e 2º, alínea h) do DL 173/2008 se encontra abrangida pelo regime de prevenção e controlo integrados da poluição, e como consequência está sujeita à emissão de licença ambiental. Um vez que a capacidade de produção é de 2800 porcos, extravasa assim o limite mínimo de 2000 referido no anexo I, ponto 6.6, alínea b), para o qual nos remete o artigo 2º, alínea h).
Assim, estando a Porco Feliz sujeita a licença ambiental deveria ter requerido a mesma à Entidade Coordenadora em formulário único, do qual deveriam constar os elementos enunciados no artigo 11º do Regime Jurídico da Licença Ambiental (DL 173/2008, RJLA).
Perante a insuficiência de provas documentais no sentido do cumprimento de procedimento, não é possível concluir se este foi ou não cumprido. Pelo que não havendo a Porco Feliz procedido nos termos supra enunciados e tendo prosseguido com a exploração, esta incorre numa contra ordenação ambiental muito grave, nos termos do artigo 32º, n.º 1, alínea a) do RJLA.
Relativamente à alteração das instalações da Porco Feliz, tendo a ré aumentado a sua capacidade produtiva de suinicultura de 2800 para 4200 porcos, seria necessário proceder à avaliação de impacto ambiental, visto que o projecto em causa implica uma capacidade produtiva de suinicultura superior a 3000 porcos (com mais de 45kg), ultrapassando o limite máximo referido pelo ponto 1 alínea e) do anexo II, para o qual nos remete o artigo 1.º, n.º 3, alínea b) do DL n.º 69/2000 (AIA). A Porco Feliz poderia ter requerido a dispensa do procedimento de AIA, com base no artigo 3.º AIA, tendo de se verificar circunstâncias excepcionais no caso concreto acompanhadas de fundamentação devida. Neste caso, não se tem conhecimento de que tenha havido requerimento para dispensa, sendo que, mesmo que houvesse, “a importância estratégica e urgência dos projectos da Porco Feliz para as gentes e o concelho de Vila Limpa” não constituem circunstâncias excepcionais, a constituírem não se encontram devidamente fundamentadas.
Perante as alterações acima descritas, seria ainda necessário que a Porco Feliz tivesse comunicado à EC a proposta de alteração da exploração da instalação, sendo esta, nos termos do artigo 10.º RJLA, remetida à APA para apreciação, no prazo de três dias. Se a APA caracterizasse as referidas alterações como substanciais, seria necessário que a Porco Feliz desencadeasse o pedido de licença ambiental nos termos do RJLA. Mediante o disposto no artigo 2.º alínea b) RJLA será de considerar esta alteração como substancial uma vez que a ampliação da instalação é susceptível de produzir efeitos nocivos e significativos nas pessoas ou no ambiente, bem como corresponderá aos limiares estabelecidos no anexo I (ponto 6.6 alínea b)).
Nessa senda, tendo em conta, mais uma vez, a insuficiência de provas documentais, não é possível concluir se terá havido AIA e pedido de licença ambiental. A não haver a Porco Feliz incorre numa contra ordenação punível com coima nos termos do artigo 37.º, n.º 1, alínea c) AIA, bem como na obrigação da reposição da situação anterior à infracção (artigo 39.º AIA), podendo ainda ser-lhe aplicada uma das sanções acessórias previstas no artigo 38.º AIA. Quanto à falta de licença ambiental, incorrerá numa contra-ordenação ambiental muito grave, nos termos do artigo 32º, n.º 1, alínea b) do RJLA.
No que concerne à construção da ETAR, também esta está sujeita a AIA e a licença ambiental. Relativamente à primeira, visto se tratar de uma ETAR com capacidade correspondente a 190.000 hab./eq. ultrapassa o limite máximo estabelecido no ponto 13 do anexo I, para o qual nos remete o artigo 1.º, n.º 3, alínea a) AIA. Desta forma, deveria ter sido apresentado à entidade licenciadora ou competente para a autorização, pela Porco Feliz, um estudo de impacto ambiental (EIA), dando assim início ao procedimento em causa, salvo se a Porco Feliz tivesse requerido a dispensa do procedimento de AIA de acordo com o artigo 3.º AIA. No entanto face aos motivos apresentados ( “a importância estratégica e urgência dos projectos da Porco Feliz para as gentes e o concelho de Vila Limpa”) entende-se que estes não constituem circunstâncias excepcionais, e a constituir teriam de estar devidamente fundamentadas, o que não sucede, tal como refere o artigo 3.º, n.º 1 AIA. Cabe referir que o conceito de “circunstâncias excepcionais” constitui um conceito indeterminado, demasiadamente amplo, pelo que cabe à Administração preencher o conceito em causa aquando da ponderação relativa à dispensa, o que pressupõe uma certa discricionariedade da sua parte. Não significa isto que a Administração não se encontre balizada por princípios constitucionais, como, neste caso, o princípio da prevenção (artigo 66.º, n.º 2, alínea a) CRP).
Não tendo a Porco Feliz cumprido o procedimento de AIA, tal como alegam os Autores nas respectivas petições inicias, e não sendo suficiente a prova documental apresentada pelos Réus, entende-se que esta poderá incorrer numa contra ordenação punível com coima nos termos do artigo 37.º, n.º 1, alínea c) AIA, bem como na obrigação da reposição da situação anterior à infracção (artigo 39.º AIA), podendo ainda ser-lhe aplicada uma das sanções acessórias previstas no artigo 38.º AIA. É ainda de referir que a AIA é pressuposto da licença de construção, pelo que na ausência da primeira a segunda não poderia ser emitida. Tal não se verificou, visto que a Câmara Municipal de Vila Limpa emitiu a licença de construção na ausência de procedimento de AIA. O que leva à nulidade da licença de construção por força do artigo 20.º, n.º 1 e 3 AIA.
No que toca à licença ambiental, como supra citado, esta seria obrigatória conforme dispõem os artigos 3.º, n.º1 e 2.º, alínea h) RJLA, visto que a ETAR se encontra directamente ligada à actividade desempenhada pela Porco Feliz, e tem com esta uma relação técnica e produz efeitos sobre as emissões e a poluição. A violação dos artigos que impõem a necessidade de licenciamento ambiental leva às consequências supra descritas.
Quanto à actuação da Administração da Região Hidrográfica (ARH), enquanto instituição da Administração Pública a cujos órgãos cabe o exercício das competências definidas na Lei 58/2005 (artigo 7.º, n.º 1, alínea b)), cabe nas suas competências a análise das incidências das actividades humanas sobre o estado das águas, conforme dispõe o artigo 9.º, n.º6, alínea c) da Lei 58/2005. Estando provado que a ARH tomou as diligências necessárias para o cumprimento das suas atribuições, ao enviar técnicos ao local, apenas compete “à autoridade nacional da água, directamente ou através da ARH com jurisdição na área de utilização, definir o plano necessário à recuperação do estado das águas nos termos do n.º 1[1] e executar as obras e restantes medidas nele previstas, certificando o custo suportado e estimado e cobrando judicialmente do infractor a respectiva importância através de execução fiscal”, mediante o disposto no artigo 95.º, n.º3 do mesmo diploma.
Relativamente aos danos causados a Carlota Castelo Branco, cabe referir que estes constituem danos ambientais (danos causados a particulares através do ambiente) e havendo nexo de causalidade entre as descargas feita pela Porco Feliz na ribeira e a destruição da plantação de girassol, teria lugar a responsabilidade civil desta nos termos do artigo 7.º do DL 147/2008 (Regime da Responsabilidade por Danos Ambientais), uma vez que a actividade praticada pela Porco Feliz consta do anexo III, ponto 1, que nos remete para o anexo I, ponto 6.6, alínea b) do RJLA (artigo 7.º RRDA) e ofendeu um interesse alheio por via da lesão de um componente ambiental (as águas da ribeira), sendo dessa forma obrigada a reparar os danos resultantes dessa ofensa, independentemente de culpa ou dolo.
A haver nexo de causalidade entre as descargas da Porco Feliz e a afectação da qualidade da água da Ribeira do Inferno, entende-se ainda ser pertinente uma responsabilização da Porco Feliz por dano ecológico (dano causado a um elemento natural), por preencher os pressupostos do artigo 12.º, n.º1 (tendo em conta a classificação do artigo 11.º n.º 1 alínea a) RRDA). Se assim for será sempre preferível uma reparação in natura, através de restauração ecológica (reposição da situação actual hipotética) ou compensação ecológica (reconstituição de uma situação funcionalmente equivalente). Uma compensação pecuniária, neste âmbito, será somente usada em último recurso (quando as outras duas não sejam possíveis).
Os Procuradores da República, no dia 22 de Maio de 2011,
Andreia Luz
Liwdmyla Vaz
Sara Lopo
Sónia Ventura
[1] Estabelece o n.º 1 do artigo 95.º: “Quem causar uma deterioração do estado das águas, sem que a mesma decorra de utilização conforme com um correspondente título de utilização e com as condições nele estabelecidas, deve custear integralmente as medidas necessárias à recomposição da condição que existiria caso a actividade devida não se tivesse verificado”.
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