segunda-feira, 23 de maio de 2011

Acórdão - Subturma 1

Acórdão do Tribunal Administrativo de Circulo de Vila Limpa

Processo: 035860/11

Data do Acórdão: 24/05/2011

Descritores: Licença ambiental (DIA)
Licença de Construção
Indemnização


Sumário: I - A licença de construção é um acto de eficácia duradoura, que assegura a legitimidade da existência e da utilização dos edifícios feitos de acordo com as suas especificações.
II - O procedimento de avaliação de impacte ambiental (AIA) constitui um dos instrumentos jurídicos específicos no domínio da tutela do ambiente, tendo esta como pilar fundamental, entre outros, o princípio da prevenção – vd. artºs. 66º nº 2 a) CRP e 3º a) Lei 48/98 de 11.08, Lei de Bases do Ambiente
III- Estando-se no âmbito da responsabilidade extracontratual, cabe ao demandante demonstrar a verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil.
IV- O dano representa o ponto-chave da responsabilidade civil, constituindo, simultaneamente, o critério de actuação dos mecanismos de ressarcimento e da definição do “quantum” indemnizatório a que porventura corresponderá uma obrigação a cargo da parte lesante.
V- A prova em juízo do nexo de causalidade tem que implicar um mínimo de certeza e segurança na afirmação da sua existência, sendo necessário, perante o circunstancialismo provado e analisado, concluir fundamentadamente pela sua real e indubitável ocorrência.
VI- Estando-se no âmbito da responsabilidade civil ambiental objectiva, não será necessário provar que o agente agiu com culpa ou dolo (art. 7º da lei nº 147/2008, de 29 de Julho); pelo contrário, na responsabilidade civil ambiental subjectiva (art. 8º do mesmo diploma legal), já será necessária a prova desse pressuposto. Em matéria ambiental, também, a prova do nexo de causalidade basta-se com um critério de “verosimilhança” ou “probabilidade” – art. 5º do mesmo diploma legal.

MATÉRIA DE FACTO
Consideramos provados os seguintes factos:
I) A Empresa Porco Feliz S.A. é uma empresa de exploração suinícola, que opera no Concelho de Vila Limpa e funciona a 200 metros da Ribeira do Inferno,
II) A Empresa Porco Feliz S.A labora no Concelho de Vila Limpa, ininterruptamente, desde 2004.
III) A Empresa Porco Feliz, SA dispõe de licença ambiental, desde finais de 2003, para desenvolver a actividade suinícola de 2539 porcos.
IV) No exercício da sua actividade, a empresa Porco Feliz S.A. produz efluentes líquidos.
V) Os efluentes líquidos produzidos pela Empresa Porco Feliz, S.A. são tóxicos e prejudiciais ao meio ambiente.
VI) Os tubos dos quais saíam os efluentes tóxicos eram pretos, logo pertencentes à Empresa Porco Limpo, S.A.
VII) No dia 5 de Março de 2011 houve descargas de efluentes tóxicos por parte da Empresa Porco Limpo, S.A., na Ribeira do Inferno, das quais resultou a morte de um número considerável de peixes.
VIII) Carlota Castelo Branco é cidadã portuguesa e está recenseada nos cadernos eleitorais.
IX) Carlota Castelo Branco é proprietária de uma plantação de girassóis e vendia os últimos a produtores de biodisel.
X) Também em Março de 2011,uma descarga de efluentes tóxicos por parte da Empresa Porco Limpo, S.A., destruiu a plantação de girassóis da requerente Carlota Castelo Branco, causando –lhe prejuízos patrimoniais.
XI) No dia 10 de Julho de 2010, a Empresa Porco Limpo apresentou à Câmara Municipal de Vila Limpa um pedido de licenciamento para aumento da sa capacidade de produção e construção da Estação de Tratamento das Águas Residuais da suinicultura.
XII) A acta é irregular, tendo sido preterida uma das assinaturas necessárias.
XIII) A ARH do Tejo, I.P., foi contactada, mais que uma vez, pela Associação Ambientalista Limpar o Inferno, para intervir.
XIV) A Vila Limpa e a Ribeira do Inferno situam-se no distrito de Bragança, estando compreendidas na Bacia Hidrográfica do Douro., nos termos dos artigos 6.º nº1, al.c ), e 9.,nº1,al.a), da Lei nº 58/2005, de 29 de Dezembro.
XV) A ARH do Tejo, I.P não era competente para fiscalizar as actividades efectuadas pela Empresa Porco Limpo, S.A.

DIREITO
Face à factualidade tida por assente cumpre, pois, entrar na apreciação dos fundamentos do presente acórdão.
Como sustenta alguma jurisprudência do STA “(…) licença de construção é um acto de eficácia duradoura, que assegura a legitimidade da existência e da utilização dos edifícios feitos de acordo com as suas especificações (…), a “(…) autorização de utilização de um edifício sujeito a licenciamento apenas serve para controlar a conformidade das obras com a licença de construção (…)”, sendo que a mesma “(…) é um acto que, não tendo qualquer autonomia constitutiva em relação à licença de construção que a antecede, depende absolutamente desta, tanto no plano procedimental como no substancial (…)”.
No caso em análise não ficou provado que houvesse licença de construção emitida validamente pela Câmara Municipal de Vila Limpa. De facto, existia uma licença de construção mas esta licença padecia de vícios, pois não apresentava avaliação de impacto ambiental, obrigatória nos termos dos artigos 20º, nº 1 DL 69/2000, 3 de Maio, visto a actividade da Empresa Porco Feliz, SA, se enquadrar no anexo II, ponto e) do Decreto-Lei supra referido.
Tal como já referiu o Tribunal Central Administrativo do Sul, no acórdão de 23 de Setembro de 2009: “O procedimento de avaliação de impacte ambiental (AIA) constitui um dos instrumentos jurídicos específicos no domínio da tutela do ambiente, tendo esta como pilar fundamental, entre outros, o princípio da prevenção – vd. artºs. 66º nº 2 a) CRP e 3º a) Lei 48/98 de 11.08, Lei de Bases do Ambiente, em ordem a, respectivamente, “prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão” e “promover a valorização integrada das diversidades do território nacional”.
Como põe de manifesto a Doutrina, trata-se de um procedimento a desenvolver previamente ou em simultaneidade com outro tipo de instrumentos administrativos procedimentais “(..) de apoio à decisão de autorização ou licenciamento de projectos susceptíveis de ter impactes ambientais significativos (..)”.
Atenta a problemática circunscrita, importa relevar que a lei configura o procedimento de AIA em diversas fases, nomeadamente após a emissão da declaração de impacte ambiental (DIA), contando “(..) com uma fase de pós-avaliação, que permite o acompanhamento, pela Autoridade de AIA, do cumprimento das condições impostas ao operador na DIA que lhe foi destinada (atente-se em que, na esmagadora maioria das situações, a DIA é condicionalmente favorável, o que implica a aposição de um conjunto de medidas de minimização cujo cumprimento deverá ser observado (..)
Esta fase de pós-avaliação, a que alude o artº 27º do RAIA (DL 69/04 alterado e republicado pelo DL 197/05) segue a DIA até à desactivação do projecto e assenta em observatórios paralelos; de uma banda, desenvolvidos pelo próprio operador, através de monitorização plasmada em relatórios a apresentar com uma determinada periodicidade, fixada na DIA (ou no EIA – estudo de impacto ambiental) – artº 29º; de outra banda, a realização de auditorias por parte da Autoridade de AIA, com vista a confirmar a veracidade da informação contida nos relatórios (artº 30º do RAIA) ou na sequência de alguma queixa apresentada por qualquer interessado uma vez que tanto os relatórios como o resultado da auditoria são publicitados (cfr. artºs. 31º e 23º/2 do RAIA).(..)”
O que significa, claramente, que por conformação legal a DIA, tal como ocorre com as demais “decisões administrativas em zonas de incerteza” com o fito de dar concretização à prevenção do risco em matéria ambiental, assume a natureza de acto administrativo de conteúdo passível de sofrer alterações em virtude da superveniência de circunstâncias concretas, detendo a Administração o poder de controlar e adequar os pressupostos do quadro regulativo configurado na DIA em função quer da realidade de facto quer dos juízos técnicos de avaliação do risco.
E significa mais.
Por um lado, que a avaliação do risco em ordem a prevenir danos ecológicos se traduz, sempre, na emissão de juízos técnicos, o que em sede contenciosa nos remete, necessariamente, para o contraditório pericial em que, por inversão (artº 344º nº 1 in fine, CC) o ónus de prova corre a cargo do réu, isto é, a cargo da parte que é accionada como lesante do interesse público ambiental e que tem no domínio da sua esfera jurídica o dever de observar as medidas de minimização do risco.
E, por outro, no que respeita ao controlo jurisdicional da margem de livre decisão, “(..) o tribunal não deve ultrapassar a fronteira do controlo pela negativa, ou seja, da não desnecessidade, da não inadequação, da não intolerabilidade da decisão administrativa em face do concreto quadro de protecção de interesses e valores que se lhe apresenta. (..) O controlo jurisdicional da margem de livre decisão, quer no que se refere à eleição da opção técnica, quer no tocante ao exercício da prognose de valoração da incerteza em função dos interesses em presença, é admissível apenas a título de verificação da plausibilidade da decisão (uma espécie de mínimo de objectividade exigível [Afonso Queiró] por confronto com o iter decisório exposto na fundamentação e passível de reconstrução a partir da consulta aos elementos do procedimento. O juiz deve, sublinha Breuer, quedar-se dentro das “fronteiras da substituibilidade da decisão”. É, portanto, de rejeitar que refaça o juízo ponderativo da Administração Pública, embora se lhe deva reconhecer, no contexto da sua função de controlo de validade da decisão, a possibilidade de analisar a correcção abstracta de aplicação dos parâmetros de proporcionalidade. (..) No exercício das suas competências de prevenção de riscos (no caso, no âmbito da Atomgesetz), a Administração deve ter em consideração, não apenas os dados científicos objecto de consenso na comunidade científica, mas também todas as opiniões que revistam um mínimo de solidez e credibilidade. Bem assim como o julgador, que deverá ancorar o seu julgamento revisivo de análise administrativa em opiniões cientificamente sustentadas, mesmo que minoritárias (desde que plausíveis), sendo-lhe vedado apelar a “fantasmas de risco, numa construção puramente intelectual.” (..)”
Nestes termos, a consequência jurídica para o desrespeito das imposições legalmente estabelecidas é a nulidade, tal como refere o artigo 20º, n 3 DL 69/2000.
O Tribunal entendeu ser facto notório que Vila Limpa e a Ribeira do Inferno se situam no distrito de Bragança, sendo competente para apurar qualquer questão a elas relativa a Administração da Região Hidrográfica do Norte.
Existem várias ARH, devendo ser especificada em sede de audiência de julgamento o órgão ao qual as partes se estão a dirigir, sob pena de se violar o preceito 78º, nº 2 e) CPTA.
No caso em análise isso não se verificou, sendo competente para aferir desta questão a Administração da Região Hidrográfica do Norte, I.P., tal como consta do artigo 90º, nºs 1 e 2 Lei 58/2005, 29 de Dezembro.
O que leva necessariamente a que a ARH do Tejo, a quem foram pedidos esclarecimentos seja parte ilegítima neste processo, devendo assim ser absolvida da instância.
Relativamente às pretensões da A. Carlota Castelo Branco, há, no fundo, que indagar se estão, ou não, preenchidos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual. A este respeito, dispõe o artigo 483º nº 1 do Código Civil que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos decorrentes da violação”.
A existência da obrigação de indemnizar, independentemente da modalidade de responsabilidade contratual ou extracontratual, depende da verificação dos seguintes pressupostos: Tem de existir o facto, a ilicitude, o dano, culpa, nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Dado que estamos no âmbito da responsabilidade extracontratual, cabia, pois, à A. demonstrar a verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil.
Passando a analisar os pressupostos da responsabilidade civil no caso concreto, quanto ao facto do agente, temos que R. Empresa Porco Feliz, S.A libertava os efluentes líquidos gerados pela suinicultura quer na Ribeira do Inferno (que fica a 200 metros da suinicultura), quer em terrenos da região; sendo que, o terreno da A. Carlota Castelo Branco, foi um desses terrenos sujeitos a descargas de efluentes líquidos. Sendo o critério de diferenciação entre a acção e a omissão de cariz naturalístico (a acção corresponde a um “facere”, ao passo que a omissão corresponde a um “non facere”), a conduta daquela R. constitui um comportamento activo, pelo que está preenchido o pressuposto “facto do agente”.
Sendo o critério de diferenciação entre a acção e a omissão de cariz naturalístico (a acção corresponde a um “facere”, ao passo que a omissão corresponde a um “non facere”), a conduta daquela R. constitui um comportamento activo, pelo que está preenchido o pressuposto “facto do agente”.
Esse facto é ilícito por violador dos artºs. 66º, nº 1 da Constituição da Républica Portuguesa, 2º, nº 1, 24º, nº4 da Lei de Bases do Ambiente (“os resíduos e efluentes devem ser recolhidos, armazenados, transportados, eliminados ou reutilizados de tal forma que não constituam perigo imediato ou potencial para a saúde humana nem causem prejuízo para o ambiente” e, no caso concreto, não foi tomada esta diligência“), nº 5 do mesmo preceito (“a descarga de resíduos e efluentes só pode ser efectuada em locais determinados para o efeito pelas entidades competentes e nas condições previstas na autorização concedida”, sendo que, no caso, a empresa Porco Feliz nunca obteve tal autorização”) e 26º, nº 1 do mesmo diploma legal (“é proibido lançar, depositar ou, por qualquer outra forma, introduzir nas águas e no solo efluentes que contenham as substâncias que possam alterar as características dos mesmos, e que contribuam para a degradação do ambiente”).
Passando ao pressuposto “dano”, o dano representa o ponto-chave da responsabilidade civil, constituindo, simultaneamente, o critério de actuação dos mecanismos de ressarcimento e da definição do “quantum” indemnizatório a que porventura corresponderá uma obrigação a cargo da parte lesante.
No caso em análise, ficou provado que as descargas efectuadas na propriedade da A., afectaram toda a plantação de girassóis, que se destinada à venda a produtores de Biodisel. Por tal razão, não poderá deixar de se concluir pela verificação do pressuposto “dano”.
Quanto ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, exige-se, uma determinada relação entre o facto e o dano ocorrido.
Essa relação entre o facto e o dano exprime-se por um conceito de teor normativo, vulgarmente designado por causalidade adequada: “Determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar” (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4ª edição, pg. 578).
Nos termos do artº 563º do Código Civil, “a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
Com efeito, como afirma Antunes Varela (in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª Ed., pgs. 898 e ss.), em sede de nexo de causalidade, o legislador terá acolhido, no artº 563º do Código Civil, a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, segundo a qual, o facto que actuou como condição do dano só deixará de constituir causa adequada se, atenta a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do dano, apenas o tendo provocado em virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que ocorreram no caso concreto.
Concretizando, no caso em epígrafe, atenta a factualidade provada, constata-se que, se a R. Empresa Porco Feliz, S.A, não tivesse efectuado as descargas de efluentes líquidos no terreno da A. Carlota Castelo Branco, jamais a A. Teria sofrido os prejuízos que sofreu.
Assim sendo, também o pressuposto “nexo de causalidade” está verificado no caso concreto.
Por último, temos a culpa do agente.
Com efeito, estando-se no domínio da responsabilidade civil por facto ilícito, para que o acto ilícito gere efeitos jurídicos é necessário que o agente tenha agido com culpa, entendida, em termos clássicos, como o nexo de imputação do facto ao agente lesante. Superada a noção psicológica de culpa, cremos ser mais adequado a adopção de um critério normativo que veja neste pressuposto um juízo de censura ou reprovação por parte da ordem jurídica. Dir-se-á, então, que “o comportamento axiologicamente reprovado é-o por deter uma determinada caracterização judicialmente intolerável. Essa caracterização é a culpabilidade, isto é, o conjunto de qualidades que, por integrarem certas previsões normativas, concitam, ao acto praticado um juízo de desvalor ou de desaprovação” (cf. Menezes Cordeiro, in “Direito das Obrigações”, Vol. II, pg. 308, citando Pessoa Jorge).
De referir, ainda, que um tal juízo de censura assume natureza diversa consoante o agente tenha agido com dolo ou negligência.
Ora, no caso “sub judice”, constata-se que a R., conscientemente, efectuou as descargas de efluentes líquidos quer na Ribeira do Inferno, quer em terrenos da região (como o terreno da A.). Daí que outra conclusão não se poderá retirar que não seja a de que a R. Empresa Porco Feliz, S.A agiu com dolo e, por isso, está preenchido o pressuposto “culpa do agente”.
Assim sendo, e porque estão verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, recai sobre o R. Empresa Porco Feliz, S.A, a obrigação de indemnizar a A. Carlota Castelo Branco.
Dito isto e tendo em conta as circunstâncias supra referidas, entendemos ser adequando e justo o “quantum” indemnizatório fixado em 25.000 €.
Relativamente à pretensão dos AA. Associação Limpar o Inferno e Ministério Público – pedido de condenação da Porco Feliz, S.A. à restauração in natura pelos danos ambientais causados nos termos do 562.º do C.C.; subsidiariamente, se a restauração in natura não for possível, a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização no montante de não menos de 450.000 €, nos termos do Decreto-Lei n.º 147/2008, de 29 de Julho.
Há, no fundo, que averiguar se estão, ou não, preenchidos os requisitos da responsabilidade civil ambiental.
Ora, para tanto, é necessário que estejam preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil ambiental objectiva e/ou subjectiva. Conforme decorre do art. 7º, nº 1 do DL nº 147/2008, de 29 de Julho, “Quem, em virtude do exercício de uma actividade económica enumerada no anexo III ao presente decreto-lei, que dele faz parte integrante, ofender direitos ou interesses alheios por via da lesão de um qualquer componente ambiental é obrigado a reparar os danos resultantes dessa ofensa, independentemente da existência de culpa ou dolo”.
Assim, a existência da obrigação de indemnizar, depende da verificação dos seguintes pressupostos: Tem de existir o facto, a ilicitude, o dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Passando a analisar os pressupostos da responsabilidade civil objectiva, temos que, não se mostra necessária, a existência de culpa ou dolo do agente. Note-se, que a R. Empresa Porco Feliz, S.A, desempenhava uma actividade económica que se insere no nº 1 do anexo III do DL nº 147/2008, de 29 de Julho. Ora, quanto ao facto do agente e à ilicitude, consideramos que o preenchimento destes pressupostos já foi supra demonstrado, pelo que, apenas nos cabe preencher os restantes requisitos. Relativamente ao pressuposto “dano”, os danos ambientais têm sido divididos, pela doutrina, em duas categorias: uma, a dos danos ambientais que reflecte lesões a bens jurídicos concretos e individuais, normalmente incluídos dentro da esfera jurídica de um sujeito; outra, a dos danos ecológicos que se reporta às lesões causadas a bens supra-individuais e que afectam apenas o bem jurídico ambiente. Ora, no caso “sub judice”, a responsabilização civil em causa cinge-se aos danos causados à A. Associação Ribeira do Inferno, pela R. Sociedade Porco Feliz, S.A. logo, a danos ecológicos apenas. Os danos causados nos terrenos contíguos constituem já danos ambientais, pois esses bens jurídicos são individuais e titulados pelos que qualquer pedido de ressarcimento referente a danos aí causados terá de ser efectuados pelos respectivos lesados (como no caso da A. Carlota Castelo Branco). Assim, O âmbito material do diploma relativo à responsabilidade por danos ambientais encontra-se preenchido, de acordo com o art. 2.º nº1 do DL 147/2008, de 29 de Julho. In casu, ficou provado que as descargas efectuadas na Ribeira do Inferno provocaram a morte de um número considerável de peixes e, consequentemente, a sua poluição. Por tal razão, não poderá deixar de se concluir pela verificação do pressuposto “dano”.
Relativamente ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, este encontra-se expresso no art. 5º da lei nº 147/2008, de 29 de Julho, “a apreciação da prova do nexo de causalidade assenta num critério de verosimilhança e de probabilidade de o facto danoso ser apto a produzir a lesão verificada, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto e considerando, em especial, o grau de risco e de perigo e a normalidade da acção lesiva, a possibilidade de prova científica do processo causal e o cumprimento, ou não, de deveres de protecção”. Ora, a lei optou por abordar o problema probatório atenuando o «grau de prova» do nexo de causalidade. Porém, “o legislador não deixou também de consagrar uma presunção, ainda que de forma tão-só implícita e restrita ao segundo passo do juízo de imputação, isto é, à materialização do risco: no que toca à criação ou aumento do risco, exige-se do lesado a prova da respectiva probabilidade, presumindo-se, a partir daí, a materialização no resultado lesivo”. Aparentemente, a probabilidade surge na Lei da Responsabilidade Ambiental, ao nível da apreciação da prova (“A apreciação da prova do nexo de causalidade assenta (...)”). “Resulta, porém, do preceito que o problema não é, em rigor, de apreciação da prova (ao contrário do que o elemento literal sugere), mas antes de medida ou de grau de prova”, ou seja, “não está em causa a valoração da prova mas antes a medida da convicção do juiz necessária para este considerar o facto (o nexo de causalidade) como provado”. É de notar que o art. 5º determina, literalmente, que a apreciação da prova assenta num critério de probabilidade. Segundo Ana Perestrelo de Oliveira, “A lei pretendeu, antes, ir mais longe e, em conformidade com a experiência comparada, aligeirar o próprio grau de prova, inserindo, assim, o ordenamento português no grupo daqueles sistemas jurídicos que abdicam da exigência de certeza sobre o nexo causal e preferem resolver os problemas surgidos no Direito do ambiente através da fixação de um critério de probabilidade”. Então, conclui-se que, como o art. 5.º reduz a medida geral de prova, isto é, deixa ser a prova stricto sensu para passar a ser a «mera justificação»; ou seja, basta-nos a nossa convicção acerca, não da verdade, mas da probabilidade do facto.
Em suma, in casu, seria altamente provável que se não fossem as descargas de efluentes líquidos efectuadas pela R. Empresa Porco Feliz, S.A, a Ribeira do Inferno não teria ficado poluída e, consequentemente, não teriam morrido os peixes, pelo que, se considera estar preenchido o pressuposto do “nexo de causalidade entre o facto e o dano”.
Note-se que para que pudéssemos estar perante um caso de responsabilidade subjectiva, presente no art. 8º do mesmo diploma supra mencionado, seria necessário, pelo contrário, o preenchimento do requisito “culpa agente”. Ora, no caso sub judice, é de se notar, que, como foi referido aquando da averiguação da responsabilidade civil extracontratual, nos termos do art. 483º do C.C, em que incorrera a R., este requisito fora preenchido; pelo que, também neste caso, ele encontra-se, igualmente satisfeito.
Assim sendo, e porque estão verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil ambiental ora objectiva, ora subjectiva, por facto ilícito, recai sobre o R. Empresa Porco Feliz, S.A, a obrigação de indemnizar a A. Associação Limpar o Inferno, nos termos por ela (e pelo Ministério Público) peticionados (excepto no que diz respeito ao “quantum” indemnizatório). Dito isto e tendo em conta as circunstâncias supra referidas, entendemos ser adequando e justo o “quantum” indemnizatório fixado em 50.000 €.
No que diz respeito ao encerramento das instalações da R. Empresa Porco Feliz S.A, peticionado pelo Ministério Público (doravante MP), importa esclarecer o seguinte: o MP alega a falta de autorização para exploração e licenciamento, ora, tal como foi dado como provado em sede de julgamento, “a empresa Porco Feliz S.A. dispunha de licença ambiental nula para desenvolver a actividade suinícola” e “a licença para ampliação da sua instalação e construção da ETAR da suinicultura aprovada pela Câmara Municipal é nula”. Assim, tendo em conta a matéria de Direito anteriormente invocada neste aresto, a pretensão do MP julga-se procedente, até ao momento em que a R. Empresa Porco Feliz, S.A, regularizar a sua situação.


DECISÃO

Nestes termos, e pelo exposto, acordam o colectivo de juízes do Tribunal Administrativo de Círculo de Vila Limpa:

a) absolver a Administração da Região Hidrográfica do Tejo, IP;
b) declarar a nulidade da licença de construção emitida pela Câmara Municipal de Vila Limpa;
c) condenar a Empresa Porco Feliz, S.A, ao pagamento de uma indemnização de 25.000 euros a Carlota Castelo Branco, pelos prejuízos causados à plantação de girassóis da A. através de descargas de efluentes líquidos, tóxicos e prejudiciais ao ambiente; e de 50.000 euros à Associação Limpar o Inferno, pelos danos causados à Ribeira do Inferno, através das mesmas descargas.
d) suspender a actividade da Empresa Porco Feliz, SA, até obtenção de nova licença válida.

Custas pelos recorridos, Câmara Municipal de Vila Limpa e Empresa Porco Feliz, SA.


O Juiz Presidente


O colectivo de juízes

Ana Cláudia Soares
Ana Teresa Ferreira
Cátia Oliveira
Joana Pereira
(subturma 1)

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